September 24, 2020

SEMANA CORPORATIVA: Lucila Saito (Engenharia Química- Tutora de Matemática e Ciências)

Meu nome é Lucila, sou de São Paulo, formada em engenharia química, e cheguei no Canadá em 2007 com marido (também engenheiro) e um filho de 5 e uma filha de 2. Já saímos do Brasil com residência permanente, pois naquela época bastava ter a pontuação mínima (baseada em idade, formação, nível de inglês/francês e experiência profissional), mandar a documentação para o consulado canadense e aguardar. Mas a nossa história de imigração na verdade começou uma década antes, quando éramos apenas um casal de namorados, e meu agora marido arrumou uma oportunidade de ser transferido por um tempo para a matriz da empresa onde ele trabalhava, no Vale do Silício, Califórnia, em 1996. Eu trabalhava como engenheira júnior em São Paulo, estava bem no começo da carreira e achei muito mais interessante largar tudo para ter uma experiência no exterior. Pelo menos o inglês nunca foi meu problema, pois estudei inglês durante toda a minha adolescência, até terminar o nível avançado. 


Por causa dessa experiência que tivemos, morando por quase dois anos nos Estados Unidos, ele trabalhando e eu estudando (completei um Master of Science em Stanford, mais pra me ocupar do que outra coisa, mas posso escrever outro tanto da experiência incrível que foi), foi muito mais simples a nossa decisão de imigrar para o Canadá, anos depois. Retornamos ao Brasil em 1998, voltei a trabalhar, mas numa área totalmente diferente, implementando software de gestão (SAP). Fiquei outro par de anos na SAP, saí de novo para ajudar o marido em seu sonho de ter uma empresa de internet (que acabou não dando certo), e depois disso achei que era hora de engravidar, e não voltei a procurar emprego. 


Eu e o meu marido temos lembranças diferentes quanto ao momento em que decidimos imigrar para o Canadá, mas pra mim foi depois que meu filho nasceu, no início de 2002, vendo aquela vidinha que é um papel em branco e se adaptaria em qualquer lugar onde a gente decidisse criá-lo. E o meu pensamento foi: 


Muita gente não tem essa opção; se nós temos condições – inglês, background, experiência - de criar nosso filho em um país melhor, mais estável, com mais oportunidades, por que não? 


E aí veio em mente o Canadá, que tínhamos conhecido a passeio em 1998, e que tinha um sistema mais fácil de imigração. Mas fizemos um planejamento de 5 anos e seguimos à risca, porque pretendíamos ainda ter um segundo filho, e queríamos que ele passasse pelo menos a fase de bebê junto ao resto da família.


Minha filha nasceu no final de 2004, e quando ela fez seis meses demos entrada na papelada da imigração. O visto/PR saiu um ano e meio depois, e meus filhos já vinham estudando em pré-escola bilíngue, ou seja, viemos muito preparados e decididos (de cara vendemos tudo, cancelamos plano de saúde, trouxemos mudança). Meu marido a essa altura tinha um negócio próprio com um sócio, que concordou em continuar tocando a empresa em São Paulo, então não viemos com emprego nenhum e nem intenção de imediatamente procurar nada, contando com essa renda do Brasil. Eu então, que não trabalhava fora desde 2000, estava feliz me dedicando aos filhos (por ter tido o privilégio de não precisar gerar renda, claro), e com a mudança de país fez ainda mais sentido continuar apoiando as crianças, participando de perto da vida escolar deles, e nos adaptando ao modo de vida canadense. 


Com o tempo, cada vez mais a minha pouca experiência de trabalho foi ficando irrelevante, mas ao mesmo tempo com as crianças crescendo, comecei a pensar em que tipo de trabalho poderia conseguir aqui no Canadá. A solução lógica seria voltar à faculdade, mas com dois filhos chegando à adolescência, fez mais sentido guardar dinheiro para a faculdade deles. Até que um dia, uma amiga canadense me perguntou se gostaria de fazer parte do conselho (board of directors) de uma associação sem fins lucrativos (GCABC – Gifted Children’s Association of BC), voluntariamente. Ela ajudava informalmente esse grupo (conhecia pessoalmente as pessoas envolvidas), mas não fazia parte do conselho, que estava procurando novos membros, e ela acreditou que eu tinha o perfil desejado meramente por me conhecer pessoalmente (e sim, nós duas somos mães de crianças  designadas “gifted”). O conselho se reunia uma vez por mês das 7 às 9 da noite, num local que fica a 30 km da minha casa.


 Pensando naqueles dias de novembro, com chuva e frio, sair de casa à noite dirigindo na estrada, sem receber nada por isso…minha primeira reação foi dizer não. Mas fui olhar os requisitos: pediam experiência em organização de eventos (nenhuma), ter participado de outros conselhos (nunca), experiência em marketing e comunicação (nenhuma). Tive certeza que não tinha nada a ver comigo. Mas depois de uns dias pensando, cheguei à conclusão de que era uma indicação que eu possivelmente nunca mais teria, já que o meu último trabalho formal tinha sido 16 anos (!) antes, eu não tinha nenhum networking profissional no Canadá, e resolvi pagar pra ver! E descobri que embora esses critérios fossem desejados, eles precisam mesmo é de gente disposta, fui chamada e aprendi muita coisa nos 3 anos que me mantive no board (o primeiro como member at large, o segundo como presidente, e o último como secretária). Acabei responsável pela parte de tecnologia, aprendi a usar vários programas, liderar reunião ou escrever minuta, organizar eventos, reformei o website,  e principalmente foi muito interessante conhecer outras mulheres (sempre elas!) de outros cantos de Lower Mainland, todas ocupadas com filhos, netos, carreiras, ou mesmo aposentadas, e ainda assim tiram um tempo para se dedicar a esse grupo. 


Depois de uns seis meses do início desse meu trabalho voluntário, que me fez lembrar que ainda sei fazer as coisas, pensar, aprender, achei que pelo menos parte do meu tempo deveria ser usado para me trazer algum retorno financeiro. A diferença é que agora eu tinha pessoas que trabalhavam comigo e podiam servir de referência, eu podia atualizar meu currículo com experiências recentes, então o que parecia intransponível ficou mais simples.


E a solução que fez sentido para mim, pelo fato de que não queria nem podia investir mais tempo nem dinheiro com outra formação, foi aplicar para ser tutor de matemática e ciências, pois eu sou uma pessoa técnica, gosto mesmo é de resolver problemas. Apliquei, fiz uma entrevista rápida e passei a ser terceirizada de uma agência, no final de 2016 (hoje também pego alunos por indicação, em paralelo). Não dá para ganhar muito, mas reforça o orçamento e tem a flexibilidade de eu poder escolher quanto e quando trabalhar, o que para mim era fundamental. Dois dias depois que eu assinei o contrato, me enviaram uma primeira aluna, estudando química no Grade 11. 


Foi aí que realmente fui me preocupar com qual seria a matéria, e como eu iria ensinar. Eu sempre tive confiança nos meus conhecimentos, afinal matemática e física de ensino médio para quem se formou em engenharia é muito simples, por isso quando apliquei já me candidatei para todas as matérias de exatas. Mas eu imaginava começar com crianças mais novas, alguma coisa bem fácil, então nessa hora é que realmente caiu a ficha que havia muitos anos que eu não abria um livro,  e que eu não tinha a menor ideia dos termos técnicos em inglês, nem qual tópico exatamente eu precisaria ensinar. Bateu uma insegurança, mas aceitei a aluna e passei os dois dias antes da primeira aula revirando a internet tentando me reatualizar na matéria. Foi um sufoco, mas deu tudo certo! Com cada aluno fui aprendendo mais detalhes, confirmei que eu ADORO estudar, e acima de tudo me sinto realizada quando acompanho a evolução de um aluno.


Enfim, uma pequena e singela oportunidade que eu quase deixei passar, transformou a minha vida no Canadá depois dos 40 anos. A vida foi me levando para outros rumos, diferente do caminho profissional que eu imaginei quando entrei na faculdade, mas nunca me arrependi das minhas escolhas. Mudanças fazem a vida mais interessante, eu já estou até ficando com ideias de me mudar de país de novo…😊