INTERCÂMBIO
Em 2001 viajei para Vancouver, no Canadá, para fazer 3 meses de intercâmbio de inglês. Fiquei em uma homestay em North Vancouver, na casa de um casal Suiço/Tcheco, ele mecânico, ela dona de uma escola infantil. Eu estava entrando no quarto ano de Direito na PUC de Porto Alegre e a idéia era estudar inglês e voltar para seguir a vida por lá. O destino quis, porém, que eu conhecesse meu namorado, hoje marido, quando tinha 21 anos. E assim começou a minha história de imigração.
Ele, canadense de Winnipeg, web developer, morava em Vancouver desde os 21 anos: ao deixar Winnipeg e chegar em Vancouver, sozinho e sem familia, foi motoboy, trabalhou em pizzaria, fritando frango no KFC e, eventualmente, conseguiu entrar na área de web development (auto ditada, sem ter feito faculdade). Quando eu cheguei em Vancouver em dezembro de 2001, ele morava em um apartamento na Bute Street, perto do mar de English Bay. E foi no restaurante grego Stephos, na Davie St, que nos conhecemos.
Estudei ingles, namorei e chegou a hora de ir embora. Dia 2 de março de 2002 voltei para Porto Alegre. Lembro de pegar o ônibus na Davie St em direção a North Vancouver, aos prantos por ter que ir embora, sem certeza nenhuma de um dia poder voltar e ver meu namorado. Aquele trajeto até o Seabus, foi um dos piores trajetos da minha vida.
Em Vancouver, minha trilha sonora era Nelly Furtado (I'm like a Bird), a minha internet era uma LanHouse Coreana onde assinava um livro, entregava uma moeda de 2 dolares e passava 1 hora usando a internet em um predio antigo com um cheiro de carpete que lembro até hoje. Quantas memórias lindas construí naqueles poucos 3 meses. Amizades, sons, cheiros, caminhadas intermináveis e passeios em todos os pontos turisticos da cidade. Fazer aquele intercâmbio mudou a minha vida.
Após 2 anos de namoro a distância, resolvi me mudar para o Canadá para construir a minha vida com o meu namorado. Minha mãe me apoiou, o que fico surpresa até hoje. Não deve ter sido fácil para ela ver a sua filha indo embora para outro país sem certeza alguma que daria certo. Se ela tivesse titubeado, eu provavelmente teria desistido, mas ela foi forte e me deu o apoio que eu precisava para criar coragem, largar tudo e todos e ir embora. Quando lembro de tudo em retrospecto, penso que foi uma loucura.
Tinha inglês fluente? Não.
Tinha um diploma de qualquer faculdade ou curso? Não.
Foi embora com muito dinheiro no bolso? Não.
Sabia o que queria fazer da vida? Não.
CALGARY
Mas apesar de tudo, quando peguei aquele avião da Air Canada dia 27 de janeiro de 2004, eu tinha a serenidade e certeza absoluta de que tudo daria certo.
Aterrizei em Calgary, na provincia de Alberta, dia 28 de janeiro, com sol e céu azul.....e - 28 graus na rua. Não era a sensação térmica de -28, a sensação deveria ser de -40 graus. Jamais esquecerei o cheiro do ar ao sair do aeroporto, um cheiro de sol e neve, inesquecível, que só sentia em Calgary e senti apenas uma vez, 15 anos depois, num dia de inverno de Vancouver.
Cheguei em Calgary uma pessoa inexperiente de vida: no Brasil morava com a minha mãe e irmão, fazia faculdade e trabalhava, mas estava no meu elemento, ao chegar em Calgary, eu não era ninguém. O nosso apartamento na 8th Avenue, tinha apenas uma cama e uma mesa de jantar com cadeiras. Não tinha sofá e nenhum outro móvel. De um dia para outro aprendi que teria que aprender a cozinhar, a cuidar da casa, a ser "casada" e a procurar emprego em qualquer lugar que estivesse disposto a me dar trabalho.
Imprimi um currículo com absolutamente todas a experiências profissionais que tinha adquirido no Brasil. Nos dias seguintes saí distribuindo aquela folha de papel em supermercados, floriculturas, lojas e escolinhas infantis. Algumas semanas depois o dono de uma escola me ligou e combinamos uma entrevista. Eu não sabia me expressar fluentemente e profissionalmente em ingles 100%, mas me virei e ele ficou surpreso e impressionado com meu currículo com faculdade de Direito e estágios na área. Trabalhei ajudando com as crianças, na cozinha e limpeza. Fui funcionária da escola por 1 ano e meio. Nesta época, já havíamos conseguido comprar nosso primeiro sofá, item de decoração que prezo muito na minha casa até hoje. Dezesseis anos depois, não há um dia em que eu não sente no meu sofá e pense: que sofá bom!
Em Calgary, concretizei muitas das minhas primeiras vezes:
- Aprendi a ser dona de casa
- Aprendi a cozinhar
- Aprendi a morar junto com um namorado (eu nunca morei sozinha)
- Aprendi a me virar profissionalmente em inglês
- Aprendi a ter garra e começar por baixo, do zero
- Consegui um emprego melhor
- Iniciei a faculdade de Educação Infantil
- Tive meu primeiro cachorro
- Compramos nossa primeira casa (um momento emblemático para um casal jovem que não tinha absolutamente nada)
- Fui mãe
Calgary guarda um pedaço enorme do meu coração e da minha identidade como imigrante. Guarda muitas das minhas lágrimas, das minhas primeiras amizades, das minhas conquistas e orgulhos. Quando decidimos deixar a cidade em 2011, o Universo novamente trabalhou a meu favor.
Em maio de 2011 Bryan disse que gostaria de ir embora de Calgary e voltar para Vancouver. Eu falei " tu tem certeza? Porque quando eu começar a planejar tudo acontecerá muito rápido"....ele não acreditou, mas assim foi. Fizemos uma lista com todas as agencias de publicidade de Vancouver e ele enviou o curriculo para todas, em junho já tinha 3 entrevistas agendadas na cidade. Viajou e voltou para Calgary com uma proposta. Conversamos e eu disse: Vamos então colocar a casa a venda! Mas sabiamos que vender uma casa não era tarefa fácil. Metade de julho colocamos a nossa casa a venda. A minha filha era bebê ainda e por sorte a minha mãe estava visitando, porque em 10 dias vendemos a casa, empacotamos a casa inteira em um container e voamos para Vancouver minha mãe e eu. Bryan viajou de carro com o nosso cachorro, e uma das memórias mais engraçadas que guardo daquela época é abrir a janela do carro e jogar colheres de sopa e uma faca (oi?), solta no banco de trás, pois havíamos esquecido de botar nas caixas da mudança.
VANCOUVER
Chegamos em Vancouver em um dia glorioso de sol, era primeiro de agosto de 2011. Alugamos uma casa, que depois descobrimos ser a casa dos horrores e chorei pelos primeiros dias inteiros. Saudade de Calgary, arrependimento de termos feito uma escolha errada, saudade das minhas amigas, da minha casa, de todas as memórias lindas que construimos por lá. Uma semana depois, comecei a trabalhar na escola infantil da minha Homestay Mother Tcheca do meu intercâmbio (o mundo dá voltas).
A transição para Vancouver foi extremamente difícil e doída, muito mais difícil do que a transição Brasil-Canada 7 anos antes. Custei a me enturmar com a comunidade brasileira que não era unida naquela época. Me sentia muito sozinha sem amigos, com uma filha pequenininha. Quatro meses depois, em uma mudança de planos, cancelamos o contrato de aluguel daquela casa e compramos nossa segunda casa.....em uma das cidades mais inflacionadas do mundo! No dia em que assinamos o contrato da hipoteca sentamos no sofá e falamos: Não vamos contar para ninguem quanto custou esta casa, será que vamos conseguir pagar a hipoteca? Compramos nossa casa no inicio da alta dos imóveis em Vancouver, mas o universo sempre nos ajudou, ou vai ver nossa sorte para imóveis sempre foi alta.
Exatos 2 anos depois, tive a oportunidade de comprar a escola infantil em que eu trabalhava. Nunca havia sido empresaria antes, mas quando a oportunidade apareceu, eu a peguei sem pensar duas vezes.
Aprendi a ser empresária.
A fazer folha de pagamento.
A lidar com clientes.
A me dar conta de que eu estava vivendo o sonho canadense desde 2004.
Em 2017, decidi abrir um outro negócio, e idealizei e fundei o Portal Delaz. Não tinha experiência em startup, mas tinha a vontade de ajudar mulheres que, assim como eu, desejam uma vida melhor, com mais oportunidades profissionais. Estou regando esta plantinha há 3 anos, e somente agora, estamos prontos para alçar vôo. O Canadá me ensinou que há tempo para tudo, para plantar e para colher.
SER IMIGRANTE
A minha história de imigração pode não ser tão fácil de ser alcançada atualmente, mas tudo o que construímos como casal, como família, foi construído com muito trabalho, com muita dedicação e sempre com a certeza ABSOLUTA de que tudo daria certo. Jamais pensei que algo daria errado e portanto voltaria para o Brasil, ou para Calgary. As decisōes tomadas sempre tiveram como base a certeza de que quem quer de verdade, consegue. Dá um jeito, trabalha mais, agarra oportunidades que normalmente não aceitaria, e vai se moldando a uma vida em que a única opção é dar certo.
Ser imigrante significa começar do zero, seja profissionalmente ou emocionalmente. Mas você não transferirá a sua vida do Brasil para o seu novo pais, só existe uma maneira de começar, e é do zero, com muita humildade sempre.
Imigrar não é fácil, mas quando você se compromete a não desistir e a lutar todos os dias por uma vida melhor, o Universo sempre estará ao seu lado.