April 7, 2019

Resenha: Nos Bastidores da Disney

Lá em mil novescentos e lá vai pedrada (sorry, 1997, para ser mais exata) eu trabalhava em uma loja de design de interiores, e o meu chefe deu para cada um de seus funcionários um livro chamado Nos Bastidores da Disney. Como boa nerd que sempre fui, comecei a ler imediatamente. O livro é tão bom, tão importante para todos os aspectos da vida, que o guardo até hoje e ele faz parte da minha biblioteca particular aqui no Canadá.

Eu tive o privilégio de conhecer a Disney quando já era adulta e o primeiro parque que conheci foi o da Disney Paris. O mais especial, porém, foi conhecer a Disney ao lado da minha filha Bella, na época com 4 anos e meio. Quando você conhece a Disney pela primeira vez, é uma sensação emocionante, onde você vira criança de novo. Ao entrarmos no parque, Bella e eu saímos correndo de mãos dadas até o início da ruazinha principal, a Main Street. Eu sempre choro ao entrar na Disney, é só ouvir a música antiga tocando pelo parque, que as lágrimas caem. A Disney é especial, quem já foi sabe. 

Mas por que exatamente ela é especial? Como os parques da Disney conseguem manter a magia tanto para crianças quanto para adultos? Qual é a mágica usada para nos fazer querer voltar muitas e muitas vezes?

Bom, o livro Nos Bastidores da Disney, revela quais são os 7 pilares usados pela Disney para fazer com que seus convidados (que não são chamados de clientes) queiram voltar para visitar os parques.

Preparadas?

1- Concorrente é qualquer empresa com a qual o cliente o compara
2- Atenção aos detalhes
3- Todos mostram entusiasmo
4- Tudo mostra entusiasmo
5- Múltiplos postos de escuta
6- Recompensa, reconhecimento e comemoração
7- Todas as pessoas são importantes


A Disney tem a fama de ser uma empresa implacável e dura no que diz respeito a suas relaçōes comerciais. Seus executivos são irredutíveis e concorrentes árduos, então como se pode explicar a relação tão dura de negócios e a maneira tão gentil e atenciosa com que lida com seus convidados?

O livro foi escrito em 1996 e a empresa pouco mudou no quesito gestão. A cada ano se endurece ainda mais e passou por duras criticas recentemente quando o senador americano Bernie Sanders criticou o modelo de gestão e a forma como remuneram seus funcionários, pouco acima do salário mínimo americano (de $7.95 a hora, a Disney remunerando em apenas $ 9.89 a hora). A neta de Roy Disney, sócio fundador da empresa junto com Walt, fez críticas acirradas ao CEO da empresa e seu salário anual de $ 65 milhōes de dólares (dados de 2018). Abigail Disney deu uma entrevista na qual criticou a cultura de lucros altíssimos dos executivos e questionou por que parte deste milhōes não pode ser revertida em um melhor salário a seus fiéis funcionários. Embora críticas sejam recorrentes, a Disney segue sendo a Disney, uma empresa que conquista sua legião de fãs fiéis a magia de Walt.

O autor conta como viajou para a Disney com o propósito de aprender a metodologia usada na empresa com seus clientes...ops, convidados.

70% dos visitantes dos parques retornam a Disney. Que outra empresa pode se gabar desta porcentagem?

Um grupo de 5 executivos - sendo o autor um deles - viajou a Disney para estudar o motivo do sucesso da empresa e contou com a ajuda de Mort Vandeleur como guia. Mort era antigo membro da Disneylandia da California e da Disneyworld da Florida, uma pessoa que conhecia a fundo a sistemática por trás de tudo o que a empresa pensa e coloca em prática.


"Você se torna vulnerável justamente quando todos falam da sua grandiosidade."


O plano de Mort era levar o grupo de executivos para passear pela Disney e, durante suas caminhadas, apresentá-los aos 7 pilares que transformaram a Disney na empresa superpoderosa que é hoje. Quanto você daria para fazer este tour de business com um expert da Disney? Eu certamente daria um rim e o fígado :)

Durante um café da manhã na confeitaria charmosa da Main Street, o grupo conversou sobre quem são os concorrentes da Disney? Se é que existem concorrentes. O que você responderia? Talvez o parque de diversōes Six Flags? Para espanto de todos, Mort anunciou que a Disney possui milhares de concorrentes. Eles são todas as empresas que de alguma forma entram em contato com o cliente e com os quais o cliente criará, ou não, uma relação de confiabilidade. Quando uma pessoa lida com a Starbucks e tem uma admiração pela sua presteza e confiabilidade, e depois vai a um parque da Disney....o Starbucks passa a ser um concorrente direto da Disney, no quesito atendimento ao cliente. Clientes comparam empresas mas, principalmente, experiências: telefonemas, pedidos, entregas, e a amabilidade cara a cara. Está aí o principal concorrente de todos nós que temos um negócio, seja ele pequeno ou grande.


" Quando a concorrência for mais eficiente, elevando a satisfação dos clientes melhor do que sua empresa, você poderá sofrer prejuízos com esta competição."


Como as pequenas coisas fazem uma grande diferença! 

Isso se mostra visível em cada canto da Disney. O grupo observa o movimentar do parque, famílias para lá e para cá, funcionários...ou melhor, "cast members", solícitos ao serem abordados por visitantes, sempre sorrindo e atentos aos pequenos detalhes. Mort aponta para um funcionário que parecia estar em uma missão, caminhando rapidamente para alguma tarefa, mas de repente pára e junta um papelzinho do chão. Um executivo pergunta: este rapaz é do time da limpeza? Não, responde Mort, na Disney somos todos do time da limpeza, esta tarefa não é restrita aos funcionários específicos para esta função.

Outro exemplo usado por Mort foi o vitral dentro do Castelo da Cinderela no Magic Kingdom de Orlando. A princípio, parece somente mesmo com uma janela coberta por um video bonito e colorido, mas ao levar o grupo de executivos para uma visita, parou na frente do vidro e deixou que eles o observassem. Devagar, um a um começaram a apontar para as curiosidades quase imperceptíveis do vitral. Mort comentou que não são todos que conseguem identificar os pequenos detalhes escondidos dentro do vitral, mas nem por isso eles são menos importantes. Se um convidado conseguir identificá-lo, o propósito dos detalhes já teria valido a pena. No livro da Cinderela, as filhas da madastra são representadas por uma "verde" de inveja e uma "vermelha" de raiva.....adivinhem a cor do rosto das meninas no vitral? Pequenos detalhes, pequenas curiosidades que transformam cada visita a Disney um momento mágico. Parece que a cada viagem observamos mais e mais curiosidades como estas.


" Pergunte a si mesmo: a atenção aos detalhes tal como na Disney faz parte da cultura da sua empresa?"


O autor propōe a reflexão: " Se vocês soubessem que uma maior atenção a alguns detalhe aumentaria a fidelidade dos seus clientes, como aplicariam esse programa em sua empresa?" 

Vou dar como exemplo, no meu caso, um episódio interessante que aconteceu comigo anos atrás. Sou dona de uma escola infantil e um dia, fui surpreendedida por um grande empresário (com negócios em NY, Toquio e no Canadá) visitando a minha escola com uma tradutora. Ele não falava inglês fluente, portanto levou sua secretária com ele. Eu já sabia quem ele era e fiquei espantada em tê-lo na minha escola, fazendo um tour para, que sabem, matricular seus dois filhos conosco. O tour correu bem e nos despedidos. No dia seguinte fui contatada para efetuar a matrícula. Meses depois encontrei com sua secretária e perguntei: " Ele é um grande empresário, poderia ter escolhido uma escola maior e mais famosa do que a minha, por que ele nos escolheu?" Ela sorriu e respondeu: "Pois você foi a primeira a responder seu email, poucas horas após termos a contatado."

Quantas vezes deixamos com que a correria do dia a dia de uma empresa tome o melhor de nós e detalhes tão pequenos como um simples responder de email pode passar batido, nos fazendo ganhar ou perder um cliente?

Sendo líder em atendimento ao cliente, dificilmente encontramos um funcionário com expressão ranzinza na Disney, a grande maioria esta sempre sorrindo e mostrando um entusiasmo contagiante. A cultura da Disney incentiva seus funcionários desde o primeiro dia, com o curso inaugural chamado Traditions (tradiçōes). Como funcionários não são vistos como tal, mas sim como membros do elenco Disney, os monitores não são chefes a administrarem conteúdo do curso, mas sim orientadores que, através do exemplo, ensinam com entusiasmo como todos devem fazer pequenas tarefas fora da sua área, para manter o espaço em ordem e permitir que cada um de nós, convidados, possamos ter uma experiência incrível nos parques.

Entusiasmo....palavra chave para tudo o que rege os parques da Disney.


" Aquilo que você FAZ ressoa tão forte na sua cabeça, que não consigo ouvir as palavras que você pronuncia."


Nada é mais forte do que o exemplo, do que o cuidado pessoal aos detalhes e ao todo. Cada um dos 45 mil funcionários da Disney em 1996 pensa assim e, provavelmente, segue pensando desta forma em 2019.

O autor ressalta que, quando você começa a usar os ensinamentos da Disney, a dedicação a qualidade o acompanha onde quer que você esteja. Bora anotar esta frase, pois ela pode ser o diferencial que buscamos tanto na nossa vida profissional, quanto na nossa vida pessoal!

O quarto pilar de sucesso da Disney novamente foca no entusiasmo, desta vez com "TUDO mostra entusiasmo". Exemplo: a tinta do carrossel do parque, que foi planejada para ser dourada, é na verdade uma tinta a base de pó de ouro 23 k. Ou seja, um detalhe  quase invisível aos olhos dos leigos (afinal, não sabemos se é dourado ou de ouro) mostra o entusiasmo da empresa em cada detalhe. Mort enfatizou que embora os convidados não saibam deste detalhe, os membros do elenco sabem, e  valorizam a atração ainda mais. Quando alguém precisa limpar o Carrossel, tarefa pouco glamourosa, ao limpar um elemento tão lindo e bem cuidado, o funcionário lembra que aquilo que está cuidando é um objeto especial criado para crianças e seus pais. Um pequeno detalhe gera um vínculo emocional forte.

Múltiplos pontos de escuta, o quinto segredo de sucesso!

Mort exemplifica que nos anos 90 a cúpula da Disney resolveu mudar o cardápio de um dos grandes restaurantes do parque. Os funcionários descobriram e foram ao time de atendimento reclamar. Argumentaram que todos os funcionários que ali se alimentavam gostavam muito do cardápio, e apresentaram razōes pelas quais ele deveria ser mantido. Isso foi levado a cúpula, e o pedido dos funcionários acabou sendo aceito. Dentro de uma empresa, há que se desenvolver diversos pontos de escuta, para que todos possam dar sua opinião e importantes decisōes possam ser tomadas levando em conta a todos. Não é tarefa fácil de implementar, principalmente em empresas tradicionais que acreditam que somente os executivos e resultado de pesquisas tenham direito a tomada de decisōes, mas vejam como a Disney, tão poderosa, conseguiu e segue conseguindo.


" Se deixarmos de lado as informaçōes coletadas pelos funcionários, estaremos menosprezando a fonte de informação mais valiosa que dispomos."


O sexto pilar é o reconhecimento!

Embora possamos questionar este ponto, visto que hoje sabemos que a empresa não recompensa seus funcionários financeiramente da maneira imaginada, a Disney emprega o reconhecimento como parte do sistema. Gerentes andam com cartōes de parabéns no bolso e os distribuem no ato quando veem um membro do elenco se destacando. Quanto mais boas açōes a pessoa faz, mais cartōes ela ganha, e ao final do mês há um evento de reconhecimento, com sorteios e certificados.


" O desejo de ser querido é um dos anseios humanos mais profundos."


Segundo o autor, a maioria das pessoas não consegue entender a terrível sensação deixada pela ausência de um feedback.  Cada pessoa merece ser reconhecida pelo bom trabalho que desenvolve. A ausência deste feedback pode fazer com que funcionários deixem de lado seu comprometimento.

E por último, o sétimo pilar: todas as pessoas são importantes, ou seja, a conclusão dos 6 pilares acima. De nada adianta entusiasmo e detalhe a cada parte do conglomerado Disney, se cada funcionário não for visto como essencial. No nosso caso, no caso de nós empreendedoras que lidamos com clientes e, provavelmente, funcionários, cada pessoa é peça chave para que nosso negócio saia da curva e se torne especial aos olhos de um cliente.


"Clientes fiéis não são fruto de acasos felizes."


A Disney se diferencia pela sua grandiosidade e magia, mas após a leitura deste livro concluo que, na verdade e na prática, o seu dom especial é com o detalhe, este que muitas vezes é esquecido por empresas mais distraídas. 

Já li este livro 3 vezes desde 1997 e hoje, talvez mais do que nunca, ele se faz ainda mais essencial. Um daqueles tesouros escondidos na lista enorme de livros de empreendedorismo que vemos hoje. Agora posso garantir uma coisa: na próxima vez que você for a Disney, seja pela primeira ou décima vez, não se esqueça de entrar no parque correndo, parar no início da Main Street e ao ouvir a música suave e alegre saída dos auto-falantes, lembre-se que toda aquela magia é cuidadosamente regada diariamente.

Apesar das críticas que vemos hoje, acredito que Walt Disney ficaria sim muito orgulhoso da magia que criou.